06 Nov 2022

Por que e para quê se escrevem artigos científicos?

Fábio da Silva Veiga

Professor Doutor de Direito Comercial da Universidade Lusófona, Portugal.

Presidente do Instituto Iberoamericano de Estudos Jurídicos – IBEROJUR.

 

A escrita de artigos científicos tem por objetivo a divulgação da produção científica de determinadas pessoas: a) as pertencentes a instituições de ensino superior (investigadores)[1] – neste caso, as universidades têm o dever geral de produção e transferência do conhecimento científico – ou b) aquelas que produzem conhecimento de forma individual em razão de o mesmo ser fruto de pesquisas de programas de mestrado ou doutoramento. Normalmente, esses programas estão resguardados cientificamente pela presença de professores e/ou orientadores com o título de doutor em determinada matéria. Nesse sentido, a orientação técnico-científica do estudante é resguardada por tais profissionais aquando da elaboração de relatórios das unidades curriculares ou de projetos de pesquisa desenvolvidos em grupos.

Assim, a divulgação científica pode se dar por questão de dever institucional (transferência de conhecimento da IES)[2] ou por opção de construção da carreira profissional de determinada pessoa (mestrando ou doutorando).

No primeiro exemplo, as instituições exigem contratualmente dos seus profissionais doutorados a publicação de artigos científicos entre outras atividades técnico-científicas. Portanto, as universidades precisam demonstrar perante os órgãos de fiscalização[3] do ensino superior que estão a cumprir com a sua missão institucional (produção científica e transferência de conhecimento). No segundo exemplo, as pessoas decidem elaborar trabalhos de caráter técnico-científico (v.g. escrever artigos) para construir uma carreira na área da investigação. Portanto, com a publicação de artigos e participação em eventos científicos, estas pessoas passam a ganhar espaço no círculo académico e, a posteriori, cumprirão os requisitos de admissão na contratação de profissionais altamente qualificados – justamente o que as universidades precisam –, e, portanto, estarão preparadas para atuarem como investigadores e/ou professores das IES.

Dito isto, os estudantes de Mestrado e Doutoramento têm uma oportunidade exclusiva de ampliarem as suas opções profissionais, nomeadamente, a de construir uma carreira académica em volta do círculo universitário. Lembrando que a carreira universitária não é privilégio de alguns – dos escolhidos –, mas, antes, é lugar da meritocracia, daqueles que chegaram por méritos próprios e foram testados nos vários processos de prova do crescimento intelectual – especialmente através de publicações, divulgação de resultados em eventos científicos, participação em projetos financiados, etc.

Entendemos, com isso, que o motivo primário da escrita científica e da sua posterior publicação (registo técnico pautado no processo de avaliação blind peer review dos pares académicos) se dá pelo facto de exigir-se a divulgação dos resultados construídos no ambiente científico – lugar onde a inovação do pensamento e dos processos de conhecimento são de competência própria. Importa entender, portanto, que a criação do saber, o seu registo público manifestado pela publicação ou apresentação perante a comunidade académica são aspetos importantes neste processo pelo qual se está inserido a universidade, os centros de investigação e as pessoas.

Outro fator importante a se refletir é sobre as formas de financiamento da ciência. Por questão de interesse público, a ciência deveria ser financiada pelo Estado. Não é à toa que as universidades públicas recebem as maiores fatias do orçamento do Estado para a educação – mormente, a investigação científica. Contudo, as instituições privadas, no cumprimento da sua missão institucional, também devem financiar a investigação científica. Para que uma universidade se mantenha com o status de universidade, a lei determina que a mesma promova a ciência, nomeadamente, através de unidade orgânica I&D (investigação e desenvolvimento) e de programas de doutoramento. Significa com isso, que o setor privado também promove a investigação, mesmo que de forma complementar. Outras formas de promoção da ciência ocorrem através de fundações, empresas de inovação e organismos públicos ou privados com objeto social destinado à I&D[4].

O financiamento da ciência é um dos principais motores para o desenvolvimento de um país. Em Portugal, o órgão responsável é a Fundação para a Ciência e para Tecnologia (FCT), órgão do Ministério da Educação e Ciência de Portugal que avalia e financia atividades de investigação científica no país em todas as áreas científicas, em particular nas áreas das ciências naturais, exatas, sociais e humanas[5].

Para concluir, é importante que os estudantes do 2º e 3º Ciclo (mestrados e doutoramentos) saibam que a escolha pelo caminho da investigação científica depende, quase que exclusivamente das suas atitudes no seu processo de formação. A qualificação como futuros mestres ou doutores não é meramente resolvida num ato de defesa pública (provas públicas de mestrado ou doutoramento), mas, antes, aperfeiçoa-se numa constância de atos de natureza académico-científica, tais como a elaboração de papers, comunicações em congressos e eventos científicos, apresentação de pósteres, revisão de material técnico (revisores ad hoc), participação em seminários de instituições e órgãos científicos, entre tantas outras atividades que rondam a investigação. Com isso, a mensagem do autor deste texto é no sentido de dizer claramente a esses estudantes: a carreira académica depende – quase que exclusivamente – do próprio estudante, independentemente da cultura endógena (ou envolta em coleguismos) existentes nas universidades, haverá sempre um lugar para a meritocracia. Recomenda-se vivamente a escrita de artigos científicos.

 

Como citar:

VEIGA, Fábio da Silva. Por que e para quê se escrevem artigos científicos? in: Instituto Iberoamericano de Estudos Jurídicos, 2022. Disponível em: https://iberojur.com/notice/escrita-cientifica-fabio-veiga/ (data de acesso)

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Notas

[1] A título de exemplo, a Universidade Lusófona promove a investigação de seus membros-investigadores através do CEAD Francisco Suárez – Centro de Estudos Avançados em Direito – com sede em Lisboa e núcleos no Porto e Portimão. São membros-investigadores professores doutorados (investigador integrado), doutores convidados (investigador associado) e doutorandos da própria universidade (investigadores convidados). Vide em: http://cead.ulusofona.pt/ (visitado no dia 6 de novembro de 2022).

[2] Instituição de Ensino Superior.

[3] Em Portugal, o órgão responsável pela fiscalização da qualidade do ensino superior é a Agência A3ES, instituída pelo Estado através do Decreto-Lei nº 369/2007, de 5 de novembro. A Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES), é uma fundação de direito privado, constituída por tempo indeterminado, dotada de personalidade jurídica e reconhecida como de utilidade pública. É independente no exercício das suas competências, sem prejuízo dos princípios orientadores fixados legalmente pelo Estado. Vide: https://www.a3es.pt (visitado no dia 6 de novembro de 2022).

[4] O Decreto-Lei n.º 63/2019, de 16 de maio, estabelece o regime jurídico das instituições que se dedicam à investigação científica e desenvolvimento.

[5] Vide https://www.fct.pt (visitado no dia 6 de novembro de 2022).

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